O mito da "Preguiça Baiana"
- Maria Gabriela Matos
- 24 de jan. de 2017
- 3 min de leitura
De onde surgiu essa imagem de que o/a baiano(a) é preguiçoso?
É bem comum ouvirmos piadinhas, ou melhor, brincadeiras de mau gosto com os baianos, de que na Bahia tudo é festa e algazarra e que todos são preguiçosos. Na maioria das vezes quem comete essas piadas falam que não é racismo, não é preconceito, é só brincadeira.
Mas de onde então surgiu essa imagem de que o/a baiano(a) é preguiçoso? Será que é uma forma de desmerecer o sucesso da região por fazer anualmente o melhor carnaval do mundo? Talvez, mas a verdade é que esse estigma vem de muito antes.
Em 1998, Elisete Zanlorenzi (professora de antropologia da PUC-Campinas) defendeu sua tese de doutorado (na USP) que falava sobre o “Mito da preguiça Baiana”. A tese tinha como objetivo descobrir como e quando surgiu essa imagem de que todo(a) baiano(a) é preguiçoso. Em sua tese ela conta como surgiu esse mito.
O mito da preguiça baiana surge ainda na época colonial. Os portugueses consideravam os escravos preguiçosos, pois enquanto exerciam suas tarefas eles faziam expressões de cansaço, desgosto e insatisfação. Quanto é que a Ladeira da Preguiça em Salvador possui esse nome, pois naquela época ela era a principal via que ligava o porto a cidade, ou seja, todas as mercadorias que iam para a cidade passavam por lá. Essas mercadorias eram levadas pelos escravos que subiam a ladeira puxando carretões de boi ou levavam-as nas costas, os sacos chegavam a pesar até 60kg. Os portugueses que ficavam no alto de seus casarões, ao verem os escravos perderem o fôlego ao subirem com as mercadorias, gritavam: "sobe, preguiça! sobe, preguiça!”. Dando origem ao atual nome da ladeira.
Não bastava explorar e maltratar os escravos, ainda tinha que impregnar uma má imagem dos que estavam sendo explorados. Como se fosse possível demonstrar felicidade ao trabalhar em um regime escravocrata.
Com o tempo todos que eram mestiços, afro-descendentes que iam para a Bahia eram chamados de baiano. "Depreciar era uma forma de justificar baixos salários e falta de investimento", explica Elisete.
Por volta da década de 40, começaram as grandes construções do país, uma dessas foi a construção da rodovia Rio-Bahia que é considerada a principal rodovia brasileira, além de ser a maior rodovia totalmente pavimentada do país. Durante a construção da BR-116 (Rio-Bahia), houve um grande fluxos de nordestinos que saiam do nordeste rumo as grandes cidades para trabalhar nessa obra, eles eram a maior parte da mão de obra na construção da rodovia. A mídia na época aproveitou para fortalecer o mito da preguiça baiana em relação aos imigrantes, daí começava a leva xenofóbica e discriminatória contra os nordestinos que presenciamos até hoje.
Em meados da década de 60, o governo da Bahia com o intuito de atrair turistas para a região, criou o slogan: “Bahia paradisíaca”. Dando a entender que a Bahia era um lugar para passear, de ir pessoas que não queriam trabalhar, pois a festa lá nunca acabava.
O papel da imprensa nessa construção é muito importante, diz Zanlorenzi, porque reproduz o discurso e os interesses da elite. Desde o século XVI, a elite baiana depreciava os negros escravos, que eram descritos, primeiramente, como desorganizados e sujos, depois como analfabetos e sem conhecimento, e, finalmente, como preguiçosos (DOURADO, 2004).
Concluímos então que essa preguiça baiana não passa de um racismo impregnado na sociedade. Depois de quatro anos de pesquisas, Elisete concluiu que esse estigma derivou-se do discurso discriminatório contra os negros e mestiços, que são cerca de 79% da população da Bahia. Quanto é que Salvador tem maior população negra do País e é a mais discriminada.
Zanlorenzi diz que o discurso da preguiça não tenha impregnado os próprios baianos e nordestinos que moram na região, "porque eles sabem o quanto trabalham". Porém, ela acredita que quando os mesmos migram para o Sudeste acabam assumindo esse papel social inferiorizado em função do meio externo. "Quando se folcloriza, o discurso se desloca da realidade e ganha vida própria, criando uma força até maior do que tem", explica.
Para ler mais sobre o assunto eu indico as obras que usei como referência para essa matéria:
Mito da preguiça Baiana – Elisete Sanzoreli
Mito da Preguiça Baiana, Não Passa de Racismo - Escrito por Girimias Dourado
Mito ou identidade cultural da preguiça - Adriana Menezes
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